ÚLTIMAS PALAVRAS - 05/03/2012 - Carlos Felipe de Melo Marques Horta presidente da Comissão Mineira de Folclore – gestão 2007 - 2010

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Ora, direis, estudar folclore! Certo, perdeste o senso” parece nos dizer, nesta noite, o poeta Bilac. No entanto, ao longo de 64 anos, um grupo de mulheres e homens se dedica, com loucura e dedicação totais, a esta falta de senso.
Quem são eles? O que pensam da vida? O que fazem? O que ganham. Quem gente é esta, repetimos parafraseando Cazuza e Afonso Romano de Santana. O que leva um iluminado Saul, um seresteiro cego como Ayres, um visionário como Bi Moreira, uma terna Lúcia Machado de Almeida ou um curador de gente como Orvile Colombo de Conti, só para citar alguns nomes, a se reunirem para criar uma entidade dedicada a pesquisar, estudar e propagar e difundir a cultura do povo. Certamente, não tinham juízo, como também não o tiveram e não têm dezenas de outras pessoas que continuam a praticar a mesma loucura.
E não é fácil.
Nestes 64 anos, estes insanos deram e estão dando razões aos que, certamente, com mais juízo do que eles, lhes dizem que não tem sentido fazer o que fazem, nos tempos de hoje. Numa época em que cada criança carrega o mundo nas mãos em seus Ipods e Ipads, estes doidos ainda cismam de ouvir um congadeiro cantando o “Tá Caindo Fulô”; gravar de uma mãe negra cantando outra versão do “murucututu, sai do telhado”; ficar horas e horas vendo Zefa construindo uma bilha ou um boneco de barro ou, então, debaixo de um sol de rachar, acompanhar um grupo de reis entoando a velha cantiga do “somos três reis do Oriente” ou o que “noite tão bonita”.
São realmente doidos. Gente que analisa as carrancas do Velho Chico, que mergulha nos passos de uma velha dança negra, que examina, tim por tim, o sentido de uma palavra e das linguagens de uma comunidade, o sentido quase mágico de um alimento, o cobu, ou que mergulha, anos a fio, para deixar para as futuras gerações, um dicionário da cultura do povo.
Bem loucos estes folcloristas!
Lutaram na criação de sua entidade. Ergueram-na, quase sempre contra tudo e, muitas vezes, assistiram ao seu quase desaparecimento.Já foram despejados de suas sedes, já se reuniram em salas de aula, em casas de família, em bibliotecas, porque não tinham outros locais disponíveis.
Montaram e perderam um Centro de Informações Folclóricas, dos mais importantes do Brasil; viram o seu Museu, nascido da genial loucura de Saul Martins, ser encaixotado e, num determinado momento, sair de Belo Horizonte, para evitar a perda total. Quantas coisas poderiam ser ditas nesta noite que dariam razão a Bilac de poder chamá-los de tresloucados amigos, tresloucados folcloristas. E, no entanto, eles nunca pararam. São centenas de livros, milhares de artigos, aulas, palestras, dezenas de semanas de estudos e pesquisas, participações incontáveis em seminários, debates e eventos, sempre e incansavelmente, defendendo e propagando a bandeira da verdadeira cultura popular, marco inicial de qualquer identidade de um povo.
Hoje, mais uma etapa se inicia. Depois de mais um momento de crise, na luta pela sobrevivência, buscando adequação aos novos tempos, sem perder de vista os permanentes objetivos que a viram nascer. Foram 14 assembléias gerais, reuniões com outras entidades, discussões com representantes de órgãos públicos, mais uma vez o encaixotamento de seu acervo e, novamente, falta de teto para seus encontros. Só que, mais uma vez, falou alto a resistência destes loucos e insanos homens e mulheres que não ouvem a recomendação mais fácil que diz: “desiste;” preferindo escutar, do fundo da alma, a dura palavra “ resiste”. Em 5 de novembro de 2011, esta palavra de ordem foi assumida e, sob a liderança do professor José Moreira, um grupo de trabalho partiu para a guerra, unificando posições, achando denominadores comuns e buscando apoios e novos caminhos.
Os resultados, nós os vemos aqui, esta noite. Uma comissão realimentada e unida em seus objetivos, sabendo que os desafios são muitos, exigindo readequação a novos tempos e novas leis, enfrentando parâmetros diferentes, consciente das conseqüências da globalização e unificação dos conhecimentos, em níveis bem acima dos previstos por Mac Luhan, há algumas décadas atrás. Vê-se, perfeitamente, que há uma decisão única e que a Comissão está partindo, de maneira concreta, para uma nova etapa que, temos certeza, produzirá muitos frutos pela frente.
Um outro resultado que estamos começando a sentir é a presença, entre nós, da secretaria de Estado de Cultura, Eliane Parreiras. Isso representa muito mais do que uma mera presença física. Vemos que o Estado, através da condutora direta do sua Carranca_3_12_9 política cultural, esta noite, ainda diretamente representando o governador em exercício, está recomeçando a enxergar e dar à Comissão Mineira de Folclore o seu justo valor. Sem dúvida, é um grande passo para a retomada de trabalhos e ações conjuntas capazes de trazer benefícios imensos para a cultura e para a sociedade mineira. Este é um grande momento e nós nos atrevemos, talvez como última ação à frente da Comissão, de levantar uma questão muito séria para o folclore. Nos últimos tempos, houve, no Brasil inteiro, uma reformulação do papel do governo nas ações culturais, com a criação das de leis de incentivo. Sem dúvida, uma democratização da presença pública, mas que, infelizmente, nem sempre vem se traduzindo numa abertura para todos os segmentos culturais. Neste ponto, já é hora de um reexame das chamadas leis de incentivo e nos programas culturais públicos, abrindo um espaço mais amplo para os grupos, manifestações e agentes da cultura popular, do folclore. Não falamos aqui de pesquisas, livros e obras, embora eles também possam estar incluídos. Falamos mais diretamente dos reais praticantes do folclore, dos foliões, dos artesãos, dos congadeiros e aboiadores, dos poetas populares, dos rezadores, benzedores e violeiros. Se, hoje, assistimos, em todo o Brasil, a uma política baseada em quotas, de que são exemplos os quilombos e os espaços para afrodescendentes, por que não criar condições mais justas para agentes e grupos folclóricos no universo das ações governamentais, Quase sempre, marginalizados dentro das visões macroeconômicas e sócio-culturais, eles necessitam de um apoio que lhes permita, pelo menos, entrar em condições de igualdade dentro de leis de incentivo. Temos a certeza, senhora secretária, e sua presença, entre nós, nessa noite, já é um importante marco de consciência e visão cultural, que um exame mais detalhado deste fato, poderia colocar Minas numa posição pioneira em termos de valorização da legítima cultura do seu povo. Temos a certeza também que o governo mineiro, à frente o governador Antônio Anastásia, com a participação do vice governador Alberto Pinto Coelho, não será infenso a uma ação como esta. Pode parecer uma loucura, mas nós, folcloristas, somos insanos e acreditamos na sensibilidade da senhora e que isso poderá vir a acontecer,
Finalmente, uma palavra de agradecimento. Em dois períodos tivemos a honra de presidir a Comissão Mineira de Folclore. Não que fôssemos dignos desta honraria, mas eleitos por nossos pares, exercemos, nesta segunda vez, as funções, contando com uma participação total de nossos companheiros na diretoria, Maria de Lourdes Costa Dias Reis Sebastião Geraldo Breguêz e Agripina Neves. A eles o meu agradecimento pessoal, como também aos integrantes da Comissão Fiscal e a todos os membros da Comissão.
Procuramos fazer o melhor e, se nem tudo foi alcançado, pelo menos foi buscado fazer. Ao professor José Moreira de Souza, sua diretoria e conselheiros, Domingos Diniz, Elieth, Luiz Tropia, Águeda Kallas, Antônio Paiva Moura e Frei Chico, o nosso abraço e promessas de apoio e participação. E retomando a Bilac, afinal, “eles estão aqui em um ato de amor, pois só quem ama pode ter ouvido capaz de ouvir, entender e lutar pela cultura do povo”.